O
Amor Extraordinário
O
amor ao qual Jesus chama seus seguidores é um que ultrapassa o ordinário.
Velhos "amores" que conhecemos são um prefácio insuficiente para as
lições que temos que aprender. Laços de família, devoção entre amigos, paixão
entre amantes são afeições "naturais", tão comuns ao homem que sua
ausência é um sinal de degradação abaixo do humano (Romanos 1:31). Amar aqueles
que os amam não dá nenhuma distinção especial aos filhos do reino. Como Jesus
observa, até mesmo tais "tipos baixos" como os publicanos e os gentios
eram capazes de uma tal troca de benevolências (Mateus 5:46-47).
O
"amor" da justiça do reino é extraordinário, não meramente em
intensidade, mas em qualidade. É amor de uma ordem diferente e mais alta. Muita
da dificuldade que sofremos em nossos esforços para entendê-lo vem da presunção
errônea de que ele é do mesmo gênero que nossos afetos naturais, construídos
sobre forte reciprocidade, profunda atração, experiências e interesses
partilhados. Como, perguntamos, podemos sentir uma afeição calorosa por aqueles
que estão se esmerando ao máximo para nos destruir? Nossos inimigos não são
somente sem atrativo para nós, mas o seu comportamento é repugnante. Somos
repelidos tanto por seus atos como por suas pessoas. É claro que as velhas
regras aqui não se aplicam. O amor ao próprio adversário não pode ser
construído sobre a emoção.
O
amor que pode abraçar seus inimigos não se origina na terra. Homens, mesmo em
seus mais heróicos momentos, têm conseguido amar apenas os amáveis (Romanos
5:7). Deus, por outro lado, tem consistentemente amado seus inimigos, mandando
chuva e sol, tanto sobre os bons como sobre os maus (Mateus 5:45). Esta boa
vontade divina não tem nada a ver com alguma qualidade atrativa que possa ser
encontrada em nós. Todos nós temos sucedido em fazer-nos moralmente repugnantes
(Eclesiastes 7:20; Romanos 3:9-18) e é altamente improvável que jamais, nesta
vida, entenderemos a total repulsa de sua santa natureza por nossos ímpios
modos. O anseio de Deus pelos homens vem, como teria que ser, de seu próprio
caráter e vontade graciosa. Em sua misericórdia, ele quer fazer o bem àqueles
cujas próprias vidas são uma ofensa a sua natureza. Ele tem amado os
desamoráveis. Quão verdadeiramente Paulo escreveu, "Mas Deus prova seu
próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós
ainda pecadores" (Romanos 5:8).
O
poder que abre aos cidadãos do reino do céu a capacidade para amar de tal modo
sem egoísmo é o exemplo do Pai deles. Há uma força tremenda naquele que criou
todas as coisas. Os céus proclamam sua glória (Salmo 19:1). O universo
testifica seu eterno poder e divindade (Romanos 1:20). Mas não é na grandeza de
seu poder criador que nós realmente conhecemos Deus (1 Reis 19:11-12). A
revelação final, completa de Deus, foi reservada para aquele que veio em
"fraqueza" (1 Coríntios 1:27) e esvaziou-se a favor dos outros
(Filipenses 2:5f). Só Jesus revelou o Pai em plenitude (João 1:18) e somente
quando o vimos foi que conhecemos seu Pai (14:6-7). Nunca olhamos mais diretamente
a face do Deus vivo do que quando estamos, pela fé, ao pé da cruz e ouvimos seu
Filho clamando por misericórdia para com os homens ímpios que o estão
assassinando. Aqui está o poder. Aqui está a divindade. Não negamos seu
absoluto poder físico. Não podemos resistir a sua sabedoria. Sua justiça
perfeita enche-nos de reverente temor. Mas quando, por Cristo, encontrarmos
acesso às "profundezas de Deus" (1 Coríntios 2:10) saberemos que não
há nenhuma descrição mais verdadeira do divino caráter do que a breve afirmação
de João, "Deus é amor" (1 João 4:8).
Os
homens que estão sendo beneficiados de tal graça imerecida devem ser capazes de
entendê-la e aplicá-la a outrem. Na verdade, "Nós amamos porque ele nos
amou primeiro" (1 João 4:19). Mas este amor é um amor da vontade, e não
das emoções. Nosso Salvador não está pedindo que tenhamos uma afeição calorosa
aos nossos inimigos. Na realidade, nosso sucesso em verdadeiramente amá-los
será diretamente dependente da nossa capacidade de desligarmo-nos de seu
comportamento e responder a sua verdadeira necessidade, antes que a sua
conduta. Em seu comentário ao Evangelho de Mateus, William Barclay deu-nos uma
descrição muito adequada desta qualidade celestial de amor: "Agape [amor]
não significa um sentimento do coração, que não podemos evitar, e que vem sem
ser convidado e sem ser chamado; ele significa uma determinação da mente, pela
qual atingimos esta boa vontade inconquistável até para com aqueles que nos
ferem e nos injuriam." Este é o tipo da determinação moral que tem que vir
finalmente para ser o fundamento de todos os nossos outros amores. Ele tem que
ser a força de sustentação sobre a qual são construídas as profundas afeições
do casamento e da família, a camaradagem sem egoísmo dos amigos e, acima de
tudo, a comunhão dos santos.
"Portanto,
sede vós perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celeste" (Mateus 5:48). Há
algo incomensuravelmente grande, bem como profundamente perturbador, sobre ser
chamado para ser como Deus. A possibilidade emociona ao mesmo tempo que amedronta.
A perfeição que Jesus tanto promete como ordena aos seus discípulos não se
refere à justiça sem pecado de Deus, mas à plenitude e inteireza de seu amor.
Nossa boa vontade, seletiva e imperfeita, tem que ser ampliada para abranger
todos os homens. Tal amor não será comprado por um preço barato. Dor e agonia
estão no processo. Mas temos que crescer para sermos como nosso Pai ou deixar o
direito de sermos chamados seus Filhos (1 João 4:7-8).
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